Mas morrer de algum modo não é igual a morrer completamente — deixar de respirar, perder todas as delícias da existência, incluindo a de sofrer. Nesse dia em que não morri viciei-me no sofrimento, eu sei. Sei tudo o que há para saber e nem assim desisto. Um dia contar-te-ei — quando conseguir que tu me ames ou quando conseguir aceitar em definitivo o teu desamor.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
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Querer-te tanto
Eu não queria querer-te tanto, Clara. Repito que não quero querer-te e já te quero mais quando acabo de o repetir. O esporão da infelicidade acirra este meu querer-, talvez eu saiba que não tenho o direito a ter o que quero, talvez seja essa a minha forma de me punir.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Para não morrer
Alimentando-se de palavras para não morrer, matando as palavras para não chorar.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Desejados pelo desejo
-Resmungas que é difícil conseguir estar sozinho comigo. Desiste, amigo. Não me queiras de um querer tão estreito. Para solidão, basta-me o negrume constante em que vivo. E o meu riso, o riso apavorado em que choro as lágrimas que nunca mais poderei ver.
-Porque estou eu aqui contigo, Clara, com esta enferrujada esperança de que talvez venhas ainda a estar comigo? Não pergunto por que te desejo tanto — não é que o desejo não tenha as suas razões, mas só poderiam cartografar-se no espaço inviável de um antes que nunca se detecta. Desejamos antes de desejarmos; somos desejados pelo desejo.Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Mal do Mundo
Mas não julgues que foi o amor que me cegou. É verdade que o amor cega, paralisa, entorpece — mas apenas para tudo o que não é o amor. E tudo o que não é o amor é o mal do mundo. Não vale nada. Amei o bastante para já não temer nada.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Saltar no abismo
Creio que é mesmo esse desejo inconfessado de saltar para fora da fila o que te atrai em mim, precisas da minha mão de cega para isso, sozinho não tens coragem, olhas para o lado e vês o abismo.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Felicidade que não se vê
Peço-te que não me contes histórias de despedidas. (…) Peço-te que olhes para o que fazem as pessoas felizes — são essas que preciso de ver. Dizes-me que te peço demasiado, que a felicidade não se vê.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Crepúsculos
Já caiu a noite, num minuto, nem demos pela queda. A natureza poupa este lado do mundo à morte quotidiana do crepúsculo. A noite desaba sobre o dia como se fosse apenas o seu forro de seda escura, o seu lençol frio, a sua libido. Clara, se ao menos tu entendesses a angústia dos meus crepúsculos. (…) Como posso pedir-te que saias do teu desespero para entrares no meu?
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Não deixará de tresvariar
O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. (…) Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos Pintores do Amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente; quem, ignorando, amou, em rigor não é amante.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”
Regresso
O meu entusiasmo magoa-te, leio-te a ofensa na voz enquanto me dizes coisas banais e sensatas, que não crie demasiadas expectativas, que ninguém consegue regressar ao lugar onde foi feliz. Conheço muito mais do Brasil do que a felicidade, Sebastião. Como se alguém pudesse regressar ao lugar onde foi infeliz. Não se é duas vezes infeliz da mesma maneira, e ninguém é feliz de maneira nenhuma. Inventamos aquilo de que nos queremos lembrar, isso sim.
Inês Pedrosa in “A Eternidade e o Desejo”