A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. (…) A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
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Ponto de vista
Os portugueses se horrorizaram ao saber que os índios matavam as pessoas e as comiam. Os índios se horrorizaram ao saber que os portugueses matavam as pessoas e não as comiam. Tudo depende do ponto de vista.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Outono
Tudo fica mais pungente ao cair da tarde, pelo frio, pelo crepúsculo, o que revela o parentesco entre o outono e o entardecer. O outono é o ano que entardece.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Excelentíssimo
Mas, examinando as notícias no miúdo nota-se que todas as pessoas eram “excelentíssimas” e “ilustríssimas”. Os que viajavam eram sempre o ilustríssimo senhor Fulano de Tal com sua excelentíssima esposa…
Os juízes eram “meritíssimos”, isto é, portadores de méritos incontáveis. Contou me um juiz amigo que numa audiência numa cidade do interior o advogado insistia em chamá-lo de “meretríssimo”, tratamento insólito que lhe causou sério problema facial: ele não sabia se o advogado estava a ofendê-lo, chamando-o de “filho da puta”, caso em que ele deveria fechar a cara, ou se o advogado era apenas um pobre-diabo que não sabia o sentido das palavras, caso em que o seu rosto se abriria numa risada… Incapaz de concluir, ele optou pela postura indiferente, clássica no rosto dos juízes. Mas o que me levou a esta excursão foi o fato de um “meretríssimo”, convencido da sua grande importância, haver entrado na Justiça com uma ação contra os funcionários do edifício em que mora, posto que eles, ignorantes da sua excelência, não o tratavam com os devidos “doutor”, “excelentíssimo”, “ilustríssimo”. (…) Pergunto aos conhecedores da lei se não haverá dispositivos legais que punam pessoas que usam títulos sem possuí-los. Um bacharel pode colocar placa de doutor? Engenheiro é doutor?
Lembro-me de um homem, também lá em Minas, que queria ser doutor a qualquer preço. Para ele, ser doutor era ter diploma de engenheiro agrônomo. Tirou o diploma. Mas o tiro saiu pela culatra. De caçoada, deram-lhe o apelido de Zé Doutor. Quando vejo escrito na capa de um livro, como autor, Doutor Fulano de
Tal, não consigo esconder o riso. É uma pena que a lei não tenha provisões para punir a estupidez e a presunção.Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Babel da alma
Será que ele estava em busca da língua desconhecida que lhe permitiria entender a Babel da sua alma?
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Chamas
Muitos brilhos são chamas de um coração infeliz.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Cheios de poesia
Quem constrói uma casa faz um poema. Por isso enchemos as casas de plantas, de quadros, de música, de livros. E que dizer da poética das gavetas, dos cofres e armários? Ah! Quanta poesia as gavetas podem conter, especialmente aquelas que são trancadas a chave! A concha, casa assombrosa dos moluscos, os cantos, a imensidão íntima: todos esses espaços estão cheios de poesia.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Metáfora
As crianças têm uma sensibilidade especial. Sabem que toda ausência passageira é metáfora de uma ausência definitiva.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Luz das velas
“O amor nasce, vive e morre pelo poder – delicado – da imagem poética que o amante vê no rosto da amada. O amor prefere a luz das velas. Talvez porque seja isso tudo o que desejamos da pessoa amada: que ela seja uma luz suave que nos ajude a suportar o terror da noite.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”
Ato de ouvir
O ato de ouvir exige humildade de quem ouve. E a humildade está nisso: saber, não com a cabeça mas com o coração, que é possível que o outro veja mundos que nós não vemos.
Rubem Alves in “Ostra Feliz não faz pérola”