Eu choro

“Eu choro às vezes. Quer dizer, eu choro sempre, acho que choro todos os dias. Mas de quando em vez eu choro assim, como hoje.

Eu choro simplesmente.

Choro de ficar com a boca quadrada, choro de sacudir o corpo, de abraçar os gatos com força e de matar o cachorro branco de angústia. Ele lambe meu rosto e chora baixinho e se assusta com os soluços. Choro porque é dor demais, é raiva demais. Amor demais.

Choro porque tudo é tão grande e eu sou tão pequena. Porque tudo existe, porque não existe nada lá fora, nada, nada. Choro por medo, porque tenho muita coragem. Tenho tanta coragem todos os dias.

Eu choro, sabe? Eu choro porque a dor não me deixa respirar e mesmo assim eu respiro fundo e solto o ar em oito tempos, como nos exercícios da aula de canto, enquanto bato claras em neve e meço a quantidade de leite para o suflê, enquanto ralo o queijo ou penduro a roupa no varal, enquanto misturo as tintas, enquanto lavos os pincéis.

Meu choro é porque sinto pena de mim. É porque sinto orgulho de mim. Eu choro enquanto penso que, mesmo não sabendo para onde ir, tenho cada passo programado. Eu choro, de quando em vez, porque me comovo e porque não sinto nada. Porque não há nada a fazer. Porque todas as atitudes precisam ser tomadas.

Choro porque sou impotente, porque tudo posso. Eu choro quase sempre, quase o tempo todo, porque o humano que há em mim se atira do parapeito e não há volta. Mas eu volto, todas as vezes. Todos os dias.”

– Faz Azevedo in “Minúsculos Assassinatos e Alguns Copos de Leite”